Busca no Site

Provoc: a ciência na vida de adolescentes e jovens pela primeira vez

Um cenário de ficção científica, com muitas máquinas diferentes, onde seria preciso entrar de jaleco, luvas e máscaras. Era isso que Vitória Rodrigues, 17 anos, estudante do Colégio Pedro II, imaginava sobre um laboratório de pesquisa na Fiocruz. Quando se deparou com um ambiente repleto de pessoas comuns, estudando e examinando microscópios em silêncio, perdeu o medo de se mostrar como era: uma aluna curiosa e insistente em resolver suas dúvidas. Ela é um dos mais de 2,2 mil estudantes que estão ou já passaram pelo Programa de Vocação Científica da Fiocruz desde sua criação, em 1986.

Voltado para alunos de ensino médio de escolas públicas e privadas, o Provoc nasceu do sonho do pesquisador Luiz Fernando Ferreira, então vice-presidente de Ensino da Fiocruz, que queria propiciar aos jovens daquela época a experiência vivida em sua juventude. “A criação do Provoc não foi nenhuma epopeia heroica. Contou, isso sim, com o componente afetivo. Eu tinha um parente, meu tio-avô, que, apesar da diferença de idade, foi um grande amigo. Menino ainda, ele me trazia a [ao campus] Manguinhos, mostrava os laboratórios, falava sobre Oswaldo Cruz, Carlos Chagas, Adolpho Lutz e outros. Tudo aqui me encantava”, relembra.

As memórias do pesquisador foram o estopim para uma iniciativa que tem proporcionado aos estudantes, muitos deles garotos ainda, participarem de pesquisas científicas em 14 unidades técnico-científicas da Fiocruz. Isso os ajuda a perceber se têm ou não vocação para a ciência, em suas diferentes possibilidades de atuação. Todos estudam em escolas conveniadas com o Provoc, em sua maioria públicas, e ingressam no primeiro ano do ensino médio a partir de uma seleção composta de redação, participação em evento com pesquisadores da Fiocruz e entrevista. É então que os alunos entram em contato com as áreas de atuação de cada laboratório — identificar-se com uma delas é um dos critérios da seleção.

Início e avanço

O Provoc divide-se em duas etapas: iniciação e avançado. A primeira, que dura 12 meses, tem como objetivo familiarizar os alunos com as principais técnicas e objetos de pesquisa de ciência e tecnologia. Os estudantes assumem a execução de atividades, sempre supervisionados por seus orientadores. Se o aluno e o orientador perceberem que a experiência revelou uma vocação científica, tem início a segunda etapa, que é o nível avançado. Nela, o objetivo é possibilitar a aprendizagem de todas as fases de execução de um projeto de pesquisa. A experiência estende-se desde a elaboração do projeto até a difusão dos resultados em eventos científicos e através de publicações. É uma etapa mais longa: tem 21 meses. Cerca de 33% dos alunos que fazem a etapa de iniciação passam para o avançado, um percentual que se mantém ao longo da história do Provoc.

Cristina Medeiros, coordenadora do Laboratório de Iniciação Científica na Educação Básica-LIC-Provoc, situado na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, aponta pelo menos dois componentes inovadores do programa. “O diferencial do programa é o pioneirismo da Fiocruz de receber estudantes do ensino médio em seus laboratórios, núcleos, setores onde o conhecimento é partilhado. Outro ponto é a dinâmica e efervescência da própria instituição, que oferece um campo de possibilidades, como participações em encontros, jornadas, seminários, feiras, reuniões e exposições, acessíveis a todos os alunos participantes”.

Vida de laboratório

O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) foi a primeira unidade a receber estudantes do Provoc, já em 1986, e é em seu Laboratório de Inflamação que Vitória cumpre o último ano de estágio. Ela é orientada pela pesquisadora Magda Fraguas, que estuda asma. A tarefa da estudante é observar o uso de moléculas com efeito anti-inflamatório no remodelamento das vias aéreas. “Uma das principais apresentações clínicas da asma é a obstrução das vias aéreas, gerada pela produção exacerbada de muco e pelo remodelamento exagerado dessas vias, a fibrose, que as torna cada vez mais espessas. O trabalho da Vitória é observar um corte do tecido pulmonar e ajudar a buscar respostas para questões como: a molécula usada no tecido é capaz de interferir na produção de muco? Ela pode reduzir a fibrose?”, explica Magda.

Hoje Vitória consegue conduzir sozinha a observação microscópica do tecido pulmonar, mas estudou muito, leu muitas referências recomendadas por sua orientadora e apresentou seminários, até provar que era capaz de se responsabilizar por dados da pesquisa. A estudante lembra com bom humor quantas coisas já mudaram no seu desenvolvimento. “Eu própria sou asmática, mas não sabia que asma era uma doença inflamatória. De imediato, achei muito legal entender melhor uma doença que eu tenho. Achava, por exemplo, que era transmissível, mas aqui descobri que, na verdade, há vários fatores que influenciam no desenvolvimento da doença. Também não entendia o que era alergia. Tudo isso eu aprendi ao longo desses três anos”.

E o que dizer sobre observar o comportamento de moluscos sob efeito de produtos naturais? É o que faz Paloma Santana, 17 anos, estudante do 3º ano, que atua no Laboratório de Avaliação e Promoção da Saúde Ambiental, também do IOC. Seu projeto é de biomonitoramento com análise de imagens, no qual uma câmera fica acoplada ao microscópio e a estudante vai monitorando, através de parâmetros científicos, o efeito tóxico do extrato de uma planta no comportamento de moluscos causadores da esquistossomose. Os resultados podem apontar formas de controle alternativo da doença. O trabalho no laboratório fez muita diferença em sua vida, garante a adolescente.

“Temos as matérias de ciências no colégio, mas quase nunca temos a parte prática, só a teoria. Então, quando eu vim para cá e vi que poderia fazer a parte prática, fiquei com medo de errar. Temia que o orientador brigasse comigo se eu quebrasse alguma coisa”, relembra, rindo. Passados quase três anos, a estudante conta como desenvolveu paixão pela vida de laboratório. “Nunca tinha entrado num laboratório antes. Imaginava que fosse tudo muito sério e chato, que não ia gostar. Mas acabei achando incrível.  Acho que os participantes do Provoc saem com uma certeza: ou de que não querem de modo algum a área da pesquisa, ou de que é realmente isso que desejam. Eu me enquadro na segunda opção”.

Salto de desenvolvimento

Vitória e Paloma já começaram a ganhar seus prêmios por participação em congressos, já fizeram a primeira viagem para apresentar trabalhos fora do Rio de Janeiro e também já definiram o que querem fazer no vestibular. Paloma vai continuar pesquisadora de bancada: está em dúvida entre os cursos de química e biologia. E Vitória quer usar seu conhecimento para trabalhar com clínica. Ou seja, vai tentar o vestibular em medicina. Esse amadurecimento que acontece com cada estudante é o ponto mais forte do Provoc, na opinião do orientador de Paloma, o pesquisador José Augusto Albuquerque.

“O Provoc ajuda o aluno a sentir o que ele quer para a própria vida. Se quer trabalhar com saúde, se quer trabalhar com pesquisa, ou se não quer nada disso. Já tive outros alunos que não quiseram fazer o nível avançado, porque sentiram que não era a sua vocação. E a experiência ajuda também em relação ao contato com outras pessoas e outros pensamentos, experiência salutar para a formação como pessoa, que representa um grande salto no desenvolvimento dos jovens”.

Mais de 850 pesquisadores já participaram da orientação acadêmica dos jovens estudantes. Para Magda, nessa relação de orientação, tanto aprende o aluno quanto o orientador. “Eu nunca tinha orientado aluno de nível médio, o que é extremamente enriquecedor porque nos aponta a necessidade de nos moldar ao aluno, pois precisamos dar as informações de forma que eles compreendam”, afirma.

Os alunos dedicam em média 12 horas por semana ao programa e recebem bolsa de pesquisa do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic/Ensino Médio). A inserção na vida acadêmica também muda a relação do estudante com a própria escola. “Todo mundo acha que, quando a gente entra na Fiocruz, vira um gênio da ciência. Quando o professor fala alguma coisa que os colegas não entendem muito, eles vêm me perguntar”, diz Paloma. Sua única tristeza é ela ser apenas uma, dentre muitos de sua sala, que teve a oportunidade de viver a experiência. “Muitos colegas queriam ter tentado a área da pesquisa, mas, ao longo do tempo, foram conhecendo as matérias de química e biologia e desistindo de tentar, porque achavam muito difícil imaginar uma aplicação prática para aquilo. Por isso eu digo que todo mundo deveria ter contato um dia com um laboratório. Muitos acabam deixando de fazer uma coisa incrível porque não sabem como é”.

 

Texto por Clarisse Castro/Portal Fiocruz