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Pesquisa nas alturas

Objetivo é chegar ao buraco da camada de ozônio acima da região polar, em altitude que ultrapassa a capacidade de aviões comerciais

O planador Perlan II custará cerca de US$ 7,5 milhões. Foto: Leah Nash / NYTNS

 

Essa talvez seja a parte mais bizarra da atmosfera, 24 quilômetros acima da região polar, onde grandes nuvens estratosféricas de ácido nítrico e vapor d'água brilham em um cor-de-rosa iridescente enquanto os produtos químicos produzidos pelos seres humanos levam caos à camada de ozônio.

Os cientistas desejam estudar a estratosfera de perto, mas isso já fica quase no espaço, a uma altitude que ultrapassa a capacidade de qualquer avião convencional.

Como chegar até lá? Em um planador.

Sem o peso dos motores e do combustível, o planador pode ser levado até lá por meio de fenômenos atmosféricos naturais, afirmam engenheiros. Assim, uma equipe de cientistas, fãs de aviação e empreendedores está construindo um planador de dois lugares para resistir aos riscos inerentes do voo estratosférico. A jornada está agendada para agosto de 2015.

O planador será levado em um avião de carga até El Calafate, na Argentina, onde os ventos do Oceano Pacífico são desviados pelos Andes e criam uma onda estacionária com correntes ascendentes que chegam a nove metros por segundo.

- As ondas da montanha são tão íngremes e fortes que chegam a fazer espuma - afirmou Edward J. Warnock, chefe do Perlan Project, a organização não governamental que está construindo o Perlan II.

Um monomotor, provavelmente uma aeronave agrícola, levará o planador até essas ondas a cerca de 3 mil metros de altitude. No ponto em que as ondas perdem a força, a 18 mil metros de altitude, espera-se que o planador chegue a outro fenômeno, o vórtice polar - ventos circulares que funcionam como um ciclone gigante durante o inverno austral, dando-lhe outro empurrão para cima. Se conseguir pegar essa corrente, o planador irá ainda mais alto, chegando às Ondas Estacionárias Estratosféricas, ou nuvens Perlan, e mais alto ainda, até o buraco na camada de ozônio, onde as reações químicas que afetam a camada de ozônio acontecem. (Perlan é o termo islandês para "pérola", utilizado para descrever as nuvens iluminadas pelo sol.)

O objetivo é chegar a 27.432 metros, ou a 27,4 quilômetros, de altitude e estabelecer um novo recorde de altitude para planadores. O antecessor do planador, o Perlan I, estabeleceu o recorde de 15.461 metros no dia 30 de agosto de 2006.

O Perlan II custará cerca de US$ 7,5 milhões, dos quais 3,5 já foram gastos; o projeto ainda precisa arrecadar fundos. Um dos organizadores é Dennis Tito, o gestor de fundos de pensão que gastou US$ 20 milhões para visitar a Estação Espacial Internacional. Steve Fossett, o aeronauta que pilotou o Perlan I, morto em 2007 em um acidente de monomotor, foi outro dos organizadores.

O Perlan I também usou as correntes ascendentes dos Andes e a subida demorou quatro horas e meia. O novo planador terá uma envergadura de 25 metros e pesará apenas 770 quilos, incluindo os tripulantes - 45,6 quilos mais leve que o Perlan I, muito embora o avião antigo tivesse uma envergadura de 21,9 metros. Os construtores afirmam que o Perlan II já está 80% pronto. Enormes peças de fibra de carbono que se parecem com tecidos - malhas unidas em dois tons de cinza - cobrem boa parte do hangar, enquanto esperam para serem coladas.

No final, tudo será pintado com uma tinta branca reflexiva para impedir que o sol aqueça as partes a ponto de enfraquecer o epóxi. (No entanto, dentro da cabine, o ar estará quase congelando.)

O planador foi projetado em parte com a ajuda de cálculos de computador e em parte com a da intuição. Asas longas e com uma distância curta entre a ponta e o bordo de fuga geram pouco arrasto, o que é fundamental para aviões sem motores. Porém, à medida que as asas ficam mais longas, aumenta a tendência de elas se dobrarem, de forma que precisam ser feitas de um material com maior resistência interna e, portanto, mais grosso. Porém, asas mais grossas têm dificuldade para se mantiver no ar.

- Sempre precisamos fazer concessões - afirmou Einar K. Enevoldson, fundador e piloto-chefe do projeto, que viajou como copiloto de Fossett no voo que bateu recorde de altitude.

- Sempre precisamos fazer concessões - afirmou Einar K. Enevoldson, fundador e piloto-chefe do projeto, que viajou como copiloto de Fossett no voo que bateu recorde de altitude.

Enevoldson voa em planadores desde 1947, quando tinha 15 anos, e tem grande experiência em caças e aviões de pesquisa projetados para altitudes extremas. Aos 81 anos de idade, seus reflexos não são mais os mesmos, afirmou, mas seu julgamento na hora de realizar a difícil tarefa de encontrar as correntes ascendentes ainda é ótimo.

O projeto do planador mescla desempenho e segurança. Acima dos 15.240 metros de altitude, a pressão do ar é tão baixa que seria impossível para o piloto respirar, mesmo que estivesse com uma máscara de oxigênio. Uma das soluções seria uma roupa pressurizada, mas ela seria grande demais para um planador projetado para ir tão alto.

O sistema do planador será enganado pela atmosfera fina e mostrará uma velocidade de cruzeiro de 74 quilômetros por hora, aproximadamente o que ele precisa para planar. Todavia, para receber essa leitura em um ar tão rarefeito, a velocidade real deverá ser de 540 quilômetros por hora.

E, indiretamente, é isso que estabelece o limite de altitude. O desafio para o planador, assim como para qualquer aeronave, é se mover rápido o bastante para subir no ar rarefeito e continuar planando, sem chegar à velocidade do som, que causaria estresse demais à fuselagem. Contudo, à medida que a densidade do ar diminui, o mesmo ocorre com a velocidade do som. O ar que passa acima da asa do Perlan II estará próximo da velocidade do som, mas não irá alcançá-la.

- Eles certamente terão que dar um passo adiante em termos de desempenho, o que significa ir para o alto com pouquíssimo empuxo - afirmou Richard P. Anderson, professor de engenharia aeroespacial, da Universidade Aeronáutica de Embry-Riddle, em Daytona Beach, Flórida, e piloto de planador, que não está ligado ao projeto.

Além disso, a altitude também gera outras complicações.

Uma delas é a necessidade de pressurizar a cabine para que os pulmões humanos resistam à pressão - algo que outros aviões fazem com a ajuda de um motor.

A solução é vedar a minúscula cabine à medida que o planador sobe e deixar um pouco de ar escapar por uma válvula para que a pressão da cabine imite a de 4.400 metros de altitude. A cabine vedada precisa de purificadores similares aos de naves espaciais para remover o dióxido de carbono e a umidade, evitando a formação de gelo nas janelas e paredes do planador. Não há maneira de esquentar o avião - outra consequência da falta de motor -, então os dois pilotos, que irão se revezar no comando da aeronave, usarão meias com solas aquecidas, afirmou Enevoldson.

A invenção toda, crivada de janelas redondas para minimizar o estresse sobre a fuselagem, parece ter sido preparada para um ambiente extraterrestre.

- A temperatura e a pressão atmosférica não são muito diferentes das de Marte - afirmou Warnock, executivo-chefe do projeto. (Marte é um dos interesses especiais de Tito.) Na verdade, os engenheiros afirmam que seu avião voaria bem na atmosfera marciana - se pudesse chegar até lá e contar com um rebocador que o tirasse do chão.

A estratosfera está pronta para um estudo mais próximo, afirmam os cientistas. É lá que o sol rompe continuamente as moléculas de ozônio, compostas por três átomos de oxigênio. Na atmosfera, o terceiro átomo tem a tendência de se unir ao CFC, uma substância refrigerante criada pelos humanos. Embora esses produtos químicos tenham sido praticamente banidos, os átomos livres de oxigênio permanecem unidos a átomos de cloro ou flúor por 50 anos, sem se tornarem parte de novas moléculas de ozônio, causando um esvaziamento na camada de ozônio e alterando o equilíbrio natural do planeta.

O Perlan II pode colher amostras e usar lasers para observar e medir a concentração de produtos químicos. Também se espera que ele forneça dados sobre como o ar se mistura em altitudes tão extremas, um fenômeno crucial para o equilíbrio de calor do planeta.

(Matthew L. Wald do The New York Times / Zero Hora via Jornal da Ciência)